Espelhos…
…Lá fora ouço os passos. Passos que passam, tantas vezes diferentes, tantos deles desconhecidos. E como o som dos passos, as experiências, as que conhecemos e repetimos, e aquelas outras que nos levam por novos caminhos que se associam a novas escolhas. Tento abstrair-me de todos os sons. Preciso de me rodear, neste momento, de todas as realidades que um dia já conheci. Colocar-me junto de cada uma delas, frente a frente, com os olhos fixos, quase sem pestanejar, profundamente. Que nesse instante seja o olhar a falar por si, aquele que expressa o mais íntimo grito ou o sorriso que usaríamos para nos exprimir. De pé, com o tronco bem apoiado sobre as pernas ligeiramente afastadas, com qualquer outro traço do meu rosto completamente isento de expressão. De repente, como se fosse eu o maestro daqueles espelhos que à minha volta não param de girar e com os quais a cada instante estabeleço esse olhar pleno e eterno, vejo a minha história contada. Não pela voz de uma criança, mas pela mão trémula de alguém que percebe cada pormenor daquilo que nem eu mesmo saberia contar. Envolto num espaço que deixo de saber delimitar, como se nada em meu redor tivesse mais importância, torna-se meu o ritmo com que giram e fixo, de olhos bem atentos, aquele em que me vejo forte mas também frágil, sorridente mas também introspectivo, bonito mas também desarranjado. Nesse mesmo, em que tantos rostos se tornam claros à medida que o contemplo. Olhos que pousam sobre nós o olhar, e assim, envolvendo-nos, nos fazem como que de repente parar de girar, olhar em volta, e reconhecer cada pormenor do que nos circunda. O nosso lar, o nosso caminho, a nossa escolha, o nosso eu que é talvez não eu, mas nós. Ouço os passos e sorrio…