domingo, março 16, 2008

Amar…


…Amar, é dar sem reservas. Amar, é falar de viva voz. Amar, é ser em vez de ter. É sermos agradecidos. Amar, é sentirmo-nos amados e, sem esforço, retribuir. Não tem lugar, nem hora. Não tem contornos físicos ou forma concreta de se exprimir. Amar, é sentirmos completo o nosso ser

sábado, março 15, 2008

A menina cor-de-rosa...

“As pessoas com deficiência mental apresentam muitas vezes qualidades de acolhimento, de admiração ou de espontaneidade e rectidão. Elas são um alerta vivo para o vasto mundo dos valores essenciais do coração. Estou convencido que a menina cor-de-rosa foi escolhida para testemunhar o amor de Deus por meio da sua fraqueza, mas a sua missão de paz só poderá ser reconhecida por aqueles que estão dispostos a acolhê-la como Sua enviada. Ela haverá de nos conduzir sempre com gentileza àqueles espaços interiores que preferimos deixar intocados, de forma que cada um de nós possa viver a sua verdadeira vocação. No relacionamento com ela, descobrimos uma identidade mais profunda, mais verdadeira.

Cada um de nós é único, conhecido pelo nome e amando por Aquele que nos criou. Infelizmente, há uma mensagem muito estridente, forte e poderosa, proveniente do nosso mundo, que nos leva a crer que temos de provar, pela nossa aparência, bens e conquistas, que somos amados. Ficamos preocupados com «chegar lá» nesta vida, e tardamos a apreender a verdade libertadora das nossas origens e dos nossos fins.

Nos primeiros dias, via-a como alguém muito diferente de mim, mas a menina cor-de-rosa começava a comunicar comigo e era firme em me relembrar que queria e precisava que eu estivesse com ela sem pressa e com carinho. Por fim, cheguei a confiar-lhe os meus segredos, contando-lhe o meu estado de espírito, as minhas frustrações, os meus problemas de relacionamento, e a minha vida de oração. Fiquei cada vez mais ligado ao espaço de uma ou duas horas que passava com ela. Tornaram-se as minhas horas de mais tranquilidade, o momento de maior reflexão e intimidade do meu dia. Quando estava ansioso, irritado ou frustrado com alguma coisa que não ia como eu desejava, a menina cor-de-rosa vinha à minha mente e parecia convidar-me a permanecer calmo no meio da tempestade.

Os papéis estavam a ser trocados. A menina cor-de-rosa estava a tornar-se minha professora, levando-me pela mão, apoiando-me na confusão que sentia ao atravessar o deserto da minha vida. As minhas muitas palavras, faladas ou escritas, sempre me tentaram a pensar em perspectivas grandiosas, sem o contacto com o quotidiano e com a beleza da vida comum. A menina cor-de-rosa não permitia isso.

Acredito que a menina cor-de-rosa tinha um coração em que a Palavra de Deus habitava em silêncio profundo. Sim, comecei a amar a menina cor-de-rosa com o amor que transcende a maioria dos sentimentos, emoções e paixões que eu associava ao amor entre as pessoas. Nós éramos amigos, irmãos, ligados pelos nossos corações. Essa experiência não pode ser explicada pela lógica, mas sim pela ligação espiritual de duas pessoas totalmente diferentes que se descobriram uma à outra, como sendo completamente iguais no coração de Deus.

O meu relacionamento com a menina cor-de-rosa dava-me novos olhos para ver e novos ouvidos para ouvir. Eu estava a mudar muito mais do que tinha imaginado. E enquanto eu, tido como uma pessoa «normal», ficava a imaginar o quanto a menina cor-de-rosa se parecia comigo, ela não tinha a capacidade ou necessidade de fazer qualquer comparação. Ela apenas vivia e, através da sua vida, convidava-me a receber o seu dom único, envolto em fraqueza mas dado para a minha transformação.

Enquanto eu me preocupava com o que fazia e com aquilo que podia produzir, a menina cor-de-rosa dava-me a entender que «ser é mais importante do que fazer». Enquanto eu me preocupava com o que se falava ou se escrevia de mim, menina cor-de-rosa ia-me dizendo que «o amor de Deus é mais importante que o elogio das pessoas». Enquanto eu me preocupava com as minhas conquistas individuais, a menina cor-de-rosa lembrava-me de que «fazer coisas juntos é mais importante do que fazê-las sozinho».

A menina cor-de-rosa não podia produzir nada, não tinha qualidades ou êxitos de que pudesse orgulhar-se. Mas, por meio da sua própria vida, ela foi a testemunha mais radical que jamais encontrei da verdade das nossas vidas. Comecei a reconhecê-la não como uma menina com deficiência, completamente diferente de mim mesmo, mas como um belo ser humano com o qual partilhava muitas vulnerabilidades. Levou-me a aceitar as minhas próprias fragilidades e fracassos e a ser menos defensivo para com a família e os amigos.

Fazia as mesmas perguntas que todos nós fazemos: Se as pessoas nos conhecem como realmente somos, sem os enfeites mundanos de que nos cercamos, será que continuam a amar-nos? Ou será que nos esquecem mal deixamos de ter utilidade para elas? Esta é a questão central da identidade: Somos bons por causa do que fazemos ou temos, ou porque somos quem somos? Sou alguém porque o mundo me torna alguém ou sou alguém porque pertenço a Deus, muito antes de pertencer ao mundo? E quando arranjei a coragem para ver mais fundo, para enfrentar as minhas necessidades emocionais, a minha incapacidade de orar, a minha impaciência e agitação, as minhas muitas ansiedades e medos, a palavra «deficiência» passou a ter um sentido totalmente novo. O facto das minhas deficiências serem menos visíveis do que as menina cor-de-rosa, não as tornava menos reais.

Nesse ambiente de amor e de cuidado, sem competição, sem individualismo e sem grande pressão para me destacar, senti o que jamais tinha sentido antes. Deparei com uma pessoa muito insegura, necessitada e frágil: eu mesmo. A partir desse ponto privilegiado, vi a menina cor-de-rosa como a forte. Ela estava sempre lá em paz e interiormente segura.

Fui capaz, com muito auxílio, de ouvir uma voz interior suave e amorosa a dizer-me: «Tu és meu filho amado, em ti ponho a Minha predilecção». A verdade é que uma grande parte, se não a maior parte das nossas vidas, é paixão. Embora todos queiramos agir por conta própria, ser independentes e auto-suficientes, somos por longos períodos de tempo dependentes das decisões de outras pessoas. Não só quando somos jovens e inexperientes ou quando somos idosos e necessitados mas também quando somos fortes e auto-confiantes. Partes consideráveis do nosso sucesso, riqueza, saúde e relacionamentos são influenciadas por acontecimentos e circunstâncias sobre as quais temos pouco ou nenhum controlo. Gostamos de manter o máximo possível a ilusão da acção, mas o facto é que o que determina finalmente o curso da nossa vida é a paixão. Precisamos de pessoas amorosas e carinhosas, para nos apoiar durante os tempos da nossa paixão e para, dessa forma nos suster, no cumprimento da nossa missão. Esse, para mim, é o sentido da paixão da menina cor-de-rosa: um chamamento radical para a aceitação da verdade das nossas vidas para escolher dar o nosso amor quando somos fortes e receber o amor de outros quando somos fracos, sempre com calma e generosidade.

A menina cor-de-rosa não precisa de ser curada; ela está bem. Está feliz porque vieste ter connosco. Por favor, junta-te a nós.”

(Texto adaptado de “Adam, O Amado de Deus”, Henri J. M. Nouwen)


…Porque pude conviver com ela também. Porque me transformou. Porque a vida é muito mais do que vemos enquanto andamos a correr de olhos vendados. Porque este texto me toca profundamente. Porque lê-lo repetidas vezes é ganhar tempo!…

sexta-feira, março 14, 2008

Entregámo-nos a um abraço…


…O entusiasmo que demonstravam dava-nos a força e a criatividade de que estávamos a precisar para conseguir criar algo que não fosse apenas banal, mas que, de alguma forma, se recheasse de um toque especial. Algo que não fosse apenas mais uma actividade ou mais um momento de reflexão, mas que transmitisse inteiramente aquilo que nos percorre, aquilo que nos faz mover, que nos dá o dinamismo e o brilho no olhar. Algo que não se vê, que não se explica facilmente, mas que, inexplicavelmente, se sente valer por tudo o resto. Enche-nos, e ao fazê-lo, completa-nos num inspirar fresco, todos os espaços vazios que tantas vezes sentimos que nos faltam preencher…

…E nessas alturas, a vontade que nos impele, leva-nos mais à frente. Crescemos connosco próprios e superamos as nossas expectativas. Criamos aquilo que sozinhos não seríamos decerto capazes de fazer. Sentimo-nos mais seguros e convictos de que nada poderá falhar, ou, pelo menos, nada poderá ser menos do que a forma intensa como nos entregámos…

…O que aconteceu depois, foi muito mais do que isso. Foi um caminhar de coração aberto para o que é novo. Foi conhecer, aproximar, interpretar, envolver, entregar e ressurgir. Foi inteiro e único. Fez-nos acalmar para nos deixarmos receber. Fez-nos encontrar connosco próprios, reavaliar as nossas prioridades, relativizar as nossas fragilidades e, assim, olhar para as nossas vidas com os olhos novos de quem se aproxima com mais atenção e carinho, longe das correrias e das máscaras de que nos enchemos nos nossos dias…

…Tornamo-nos mais o próximo. Olhamo-lo por dentro. Fomos, nesse contacto, espontaneamente aquilo que sentimos ser e compreendemos nesse momento como não há nada mais intenso e completo. Sorrimos, partilhámos, chorámos, cantámos. Entregámo-nos a um abraço porque sim, porque era tudo o que tínhamos para dizer…

…Sentimo-nos igualmente amados, igualmente importantes, igualmente limitados. Vivemos um sonho vestido de cor-de-rosa, pela sensibilidade, a felicidade e o sorriso com que se caracterizou. Vivemos, acredito eu, o que poucas pessoas têm a oportunidade de viver e de sentir…

…Do meu canto, que se tornou ainda mais nosso; da minha pequenez, que se torna suficiente se nos juntarmos, senti-me eu, convosco, completamente um instrumento conduzido pelo maestro que nos permite viajar ao som deste hino de amor…

…Obrigado