sábado, setembro 26, 2009

Um tempo circular…

…Terá Deus uma forma concreta que possamos imaginar? Era esta a pergunta que me surgia enquanto observava as pequenas ondas que se formavam sempre que tocava de leve com a ponta do dedo na água do lago que estava a apreciar para descansar. Será Deus grande e profundo como o mar, ou antes pequeno e compacto como um grão de areia? Será palpável como a terra que podemos sentir sujar-nos as mãos, ou será, em vez disso, veloz e ágil como a luz do sol? Há tanto de indecifrável aos nossos olhos…

…Começava mais desperto a olhar em volta, procurando algo com os olhos. É incrível como não ouvimos determinados sons que estão abaixo ou acima do nosso limiar de audição, assim como não conseguimos ver aquilo que é demasiado pequeno ou demasiado grande para o nosso campo de visão. Vivemos no espaço e no tempo, mas será essa a realidade de Deus? Ele não terá decerto a limitação de ouvir os sons que quiser, nem de ver aquilo que para nós é pequeno ou grande demais. Assim, mesmo se Deus for pequenino, deverá conseguir olhar para o planeta Júpiter e vê-lo todo, mesmo estando perto dele. Gosto de O imaginar fazer isso. O ver d’Ele pode até ser diferente do ver que eu consigo interpretar, mas é engraçado, é como enfrentar a gravidade, Ele deverá conseguir fazer as coisas que eu apenas poderei fazer sonhando…

…Via os pássaros, uma rã num nenúfar, e parecia-me naquele instante que o tempo tinha parado, mesmo que tudo em redor continuasse no seu ritmo normal. Questionava-me mais uma vez. O tempo de Deus será então distinto do nosso também? E isso fez-me lembrar do mistério que é para nós a vida eterna. Tal como nas outras coisas de Deus, fechando os olhos, podemos tentar carinhosamente fazer a leitura do que Ele nos diz, mesmo não conseguindo chegar à forma exacta que tudo nos explica. Descobriremos no nosso íntimo algo que não deverá fugir de todo da Sua verdade, tal como sabemos que, ao sorrirmos profundamente, Deus sorrirá connosco…

…E assim foi. Pedi ajuda também, pois às vezes o fechar dos olhos terno não basta, e explicaram-me que a vida eterna não equivale à imortalidade. Não é a vida prolongada no infinito. Em Deus, a eternidade é outra lógica: é uma coisa diferente do tempo. Tal como a possibilidade de cada gesto, a vida eterna começa agora: é a vida com esperança no futuro. É uma vida vital. É fortificante, fundamental, essencial. A vida que vivemos, não é uma sala de ante-espera para a eternidade. A nossa vontade de viver deve superar todos os limites impostos, tal como quando sonhamos voar de mãos dadas. Uma pessoa fica velha quando desiste, quando não tem horizontes e vive o vazio. Então, vivamos a nossa vida no eterno presente. Não devemos viver de memórias nem de mundos imaginários, mas em plenitude no presente. A vitalidade originária é já hoje, a cada dia, símbolo da vida eterna. O ser humano desde sempre que busca a plenitude, mas nunca a encontra só em si. Só em Deus existe criatividade inesgotável; este mistério que nos faz sentir o amor. Abeiremo-nos de Deus de rosto descoberto. É só essa a condição para viver e não morrer. À medida que nos deixamos envolver por Deus, vamos entrando na sua glória. Com Jesus, Deus foi revelado, deixámos de ser chamados servos e passámos a ser chamados de seus amigos. Entrámos no processo de comunhão eterna com Deus. Passámos a ter o dom da gratidão! É na vida eterna que nos reconhecemos como somos, reconhecemos a nossa identidade. Participamos na eternidade de Deus. E ao vivermos a nossa vida humana em Deus, a alegria que nos infunde supera a felicidade terrena e não tem mais fim. Temos de sair da nossa lógica habitual de relação com os outros. Temos de ousar viver, viver, viver! Na qualidade do amor. A vida eterna, é um tempo circular que estabiliza. Circular como o movimento da terra à volta do sol que nos traz os dias e as noites; como o circular do sangue nas nossas veias. O tempo da eternidade não é irreversível: dá estabilidade ao amor. Só o tempo terreno é caduco. A eternidade não é monótona. A criação é renovadora. É a vida no amor de Deus que já circula no nosso coração…

…Fiquei de repente boquiaberto. Maravilhava-me a profundidade deste pensamento, a possibilidade de viajar sem fim nestas palavras. Emudecia-me saber que mesmo assim, elas seriam incompletas e limitadas na descrição daquele que é o aconchego de Deus tem para nós. Nunca na minha vida me voltarei a esquecer daquele momento. Como se o tamanho desse instante fosse a definição mais correcta de eternidade por ser entendido no Seu amor. Ainda hoje não sei por completo qual o mistério daquele lago que procurei para descansar, mas sei que é o lago mais belo que alguma vez pude contemplar…

(Inspirado no discurso de D. Carlos Azevedo sobre “Vida eterna” no Encontro Geral de Animadores da Diocese de Lisboa)

sexta-feira, setembro 25, 2009

Interdependência…

…Por vezes, nos nossos dias, precisamos de estar sós. Precisamos do silêncio que nos purga, daquele repousar que nos devolve as forças. Interpretamo-lo de diferentes formas, conseguimo-lo em diferentes locais. Pensamos, rezamos, cantamos, sonhamos. Outras vezes, buscamos apenas aquilo que sabemos que podemos fazer sozinhos, talvez em busca da nossa identidade. Ao escrever, ao tocar música, ao ir ao cinema, procuramos expressarmo-nos, procuramos fazermo-nos sentir. De umas e de outras vezes, permitimo-nos afastar do aconchego e da certeza que nos trazem as redes de relação que formamos. Inseridos na nossa sociedade, em Igreja, na nossa família, ou no nosso encontro terno com Deus, é pilar do nosso eu, cada relação de interdependência que partilhamos. São as pequenas pontes que nos fazem ter a capacidade de pensar, rezar, cantar e sonhar. São os laços que nos fazem ter substância concreta para escrever, sensibilidade para tocar, vontade de conhecer novas histórias indo, por exemplo, ao cinema. De todas as vezes, tomemos então consciência que neste processo contínuo de trocas e crescimento, recebemos também daquilo que oferecemos, sendo responsáveis pelo seu equilíbrio. Esta interdependência, não vicia mas suporta, poderá ser alimentada de amor, e é a mesma que nos faz preparar o coração para acolher cada pessoa com quem nos estamos habituados a cruzar. Nos nossos dias, quer no supermercado, quer na escola ou no trabalho, contam com a nossa entrega, com o nosso sorriso. Na nossa paróquia, contam com a nossa presença certa e com a nossa fé. Em casa, contam com o nosso amor e sinceridade. Em oração, Deus espera a nossa entrega completa e despojada. Saberemos ter a sensibilidade para receber se a tivermos para dar. Pelas famílias, pelos amigos, e mesmo por Deus, por cada um destes nossos portos seguros que habitam fora de nós, devemos diariamente agradecer. Não somos ilhas isoladas rodeadas de mar. Somos continentes inteiros formados por países que podem ter boas relações internacionais. É importante relembrarmos sempre que a nossa identidade pressupõe também a existência de outrem. Ser interdependente, é normal, é humano, é divino, é saudável. Ser interdependente, é mútuo…

terça-feira, setembro 22, 2009

Vinte e um…

Olá. – disse uma voz jovem e descontraída – Cem vezes pediste um sinal. Cem vezes te toquei com a Minha brisa. Onde Eu moro não brilham estrelas, a não ser quando o coração de algum homem se converte ao amor. Nem há constelações, a não ser quando dois ou mais se reúnem em Meu nome. Moro onde tu moras. Compreendes? Os homens esqueceram a poesia. E sem poesia não entendem quando Eu falo. Esqueceram que sete quer dizer plenitude. A plenitude do Meu amor. É isso. É só isso que precisam de saber, para depois poderem olhar pelos telescópios e não se perderem. Como tu, nestes cem dias, nestas cem noites em que Me abriste o teu coração e Eu te desejei e tu Me desejas-te até quase não poderes mais.”

(Adaptado do “Príncipe e a Lavadeira” de Nuno Tovar de Lemos)

…Ano após ano, deitado na relva fresca, sentindo o cheiro da maresia, que bom é voltar a contemplar o céu, ouvir o seu silêncio, e penetrar-lhe sonhando, tocando em cada recanto escondido na sua imensidão. Soltos, no céu que se ilumina pela lua, falamos-Lhe, tentando perceber junto d’Ele qual é o caminho que podemos percorrer para tornar ainda mais belos os frutos das árvores do Seu pomar. Enquanto nos questionamos, tudo se transforma em nosso redor. Moldadas pela Sua brisa, surgem nas nuvens novas formas que nos apontam caminhos de amor e, de cada vez que os alcançamos, uma nova estrela se revela brilhando no céu. Hoje, sinto-me especialmente tocado. Ao saborear o azul estrelado, são vários os pontos dourados que cintilam. Não são apenas sete, são três vezes sete. É o amor e a plenitude na Sua presença. Vinte e um motivos de sorrisos que com o meu pequeno telescópio consigo identificar. Um novo sentido no caminho. Uma nova forma de me entregar a Deus. Fecho por momentos os olhos e vejo-te vestida de branco colhendo pequenas flores algures no firmamento. Estendo a mão. Tu já me conheces. Poderei amar por amor do Amor somente, até quase não poder mais…

segunda-feira, setembro 21, 2009

Ama-me por Amor somente...

“Ama-me por amor somente.
Não digas: «Amo-a pelo seu olhar,
o seu sorriso, o modo de falar
honesto e brando.
Amo-a porque se sente
minh'alma em comunhão constantemente
com a sua».

Porque pode mudar
isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
de tuas mãos enxuga, pois se em mim
secar, por teu conforto, esta vontade
de chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do Amor, e assim
me hás de querer por toda a eternidade.”

Madre Teresa de Calcutá

(Na incapacidade de expressar por palavras minhas algo tão belo…)

terça-feira, setembro 15, 2009

Num acto de amor…

… Há dias em que temos de sair de nós mesmos para nos observarmos e darmos a conhecer. Há dias em que é possível tornar uma partilha num acto de amor. Dias em que Deus nos dá a clareza que nos faz conseguir exprimir cada sentimento, em que nos faz embalar na marcha certa das palavras que nos permitem voltar a saborear cada pormenor do que nos faz arder o coração…

…Há dias em que nos surge claro todo o entendimento, em que redescobrimos numa conversa novas formas de expressar aquilo que nos orienta e sustenta. Dias simples e completos, como aqueles em que nos lembramos que não é preciso fazer nunca nada por ninguém, mas sempre algo com alguém. Em que nos apercebemos que podemos ver em quem nos rodeia o rosto de Quem nos ama, e que ainda assim podemos ser nós a pega-Lo ao colo…

…Há dias em que ficamos acordados até tarde sem querer que terminem. Dias em que nos sentimos em harmonia, na paz de Cristo, e em que deixamos de conseguir perceber as fronteiras ténues entre o tu e o eu. Dias em que o amor dá lugar, novamente, à comunhão…

segunda-feira, setembro 14, 2009

Histórias de amor…

…Falaram-me no outro dia de uma manta de retalhos. Que podemos ser um só. Pequenos retalhos cosidos uns aos outros por um fio invisível. Todos juntos, fazemos uma linda manta que aquece no inverno e que no verão serve para nos deitarmos ao relento e ver as estrelas. Às vezes, o mais bonito, é que temos a sorte de ficar uns ao pé dos outros. Há dias, como este, em que celebramos de uma forma especial a vida e aquilo que nos une. Em dias como este, festejamos o abraço, o tudo que adquire sentido pela forma como nos deixamos ser partilha e entrega. Hoje, fui levado a repensar o sentido de família ao ver partir alguém que ao constituir uma, foi tão querido por todos e soube transmitir tanta fé e sabedoria. Peço a Deus que saiba orientar todos aqueles que o puderam testemunhar, na forma mais plena, comprometida, coerente e simples que existe. Repeti-lo será viver a eternidade. É bom ouvir falar de histórias de amor de noventas e muitos anos…

quinta-feira, setembro 10, 2009

Enquanto o dia termina…

…Dois gatos, uma luz ténue e uma parede laranja. Ao lado, uma vela acesa perto da cama de rede e uma moldura com fotografias bem escolhidas em cima de um móvel rústico de madeira. Cheiro o pó entranhado nos livros antigos e espalho no chão os discos de vinil que quero ouvir amanhã de manhã quando acordar e tiver de regar as plantas. Como em todas as manhãs, acordarei com o sol que espreita por entre as persianas, e desejo-lhe os bons dias depois de me levantar, ainda descalço, e enquanto espreito pela janela o rio, a ponte e o Cristo Rei. Em cima da bancada da cozinha tenho a fatia de bolo que não acabei de comer e um copo com o final do refresco de café. Gostava de saber tocar viola. Pergunto-me sempre porque é que a gosto de ter encostada à parede. Estou feliz. Eles também porque ronronam. Amanhã continuarei a escrever…

terça-feira, setembro 08, 2009

À nossa Mãe…

…No céu via uma pequena estrela que me seguia. Olhava-a com um sorriso meigo; o mesmo com que todas as noites me despeço antes de dormir. Como de costume rezei-lhe três vezes, talvez inicialmente desconcentrado com tantos outros pensamentos. Por três vezes, as mesmas palavras que ganham sentido enquanto as repito. Pausadamente, respirava fundo inspirando o ar fresco. São momentos em que apenas existo eu e ela, para que possa renascer em nós um pouco de luz. Um pouco daquela que ilumina o mundo…

segunda-feira, setembro 07, 2009

De Leiria até Fátima…

…Esperava-nos o abraço, a voz que não se ouve pelas mensagens que trocamos, mas que íamos voltar a relembrar. Era essa a principal motivação que eu levava, era o que mais me fazia sorrir. Íamos reencontrar-nos, e seriam certos o sentimento e a presença fortes que um dia nos uniram. Foi bom termos tido tempo para estarmos com calma. Gostei dos jogos, da praia, das partilhas, da recepção. Gostei da entrega confiante, do sorriso sincero e espontâneo, e do olhar que diz um bem-querer que não se consegue explicar com palavras. Revi a força que é possível ter atrás de um olhar tímido; a pureza de quem não vê maldade; a presença que me faz lembrar que é ao observar com simplicidade cada pessoa, que podemos descobrir o tesouro que guarda no coração. Estávamos os quatro juntos, em festa, a prepararmo-nos para mais uma caminhada de entrega…

…A proposta tinha-nos sido lançada e foi ao final do dia que nos fomos encontrar com tantas outras presenças que estávamos também ansiosos por rever. Novamente, vindos dos diferentes locais onde vivemos, o objectivo era o de nos unirmos caminhando. Desde Leiria até Fátima, à luz do luar, para que voltasse a ser a Sua presença a força que nos ilumina…

…Relembro quem acompanhou o som dos meus passos, relembro tão certos e sentidos os abraços que demos no Seu perdão. Tive a oportunidade de conhecer ainda melhor alguns de nós, de estreitar laços e de me render à originalidade de cada um que me acompanhou. Revivi, conheci, deixei-me cativar. Foram profundas e marcantes as palavras de quem me aproximei desta vez um pouco mais, sem os medos ou as barreiras que eventualmente poderíamos estabelecer noutra situação. E espontaneamente, as trocas que surgiram foram do mais profundo amor. Foram como uma auto-reflexão feita em voz alta e acompanhada. Foram como a possibilidade de viver os sentimentos que não fomos nós que experimentámos, mas com os quais podemos crescer; como fazer alguém viver a nossa história e sorrir com ela. Foram como falar ao Pai e ouvir a sua resposta; a resposta de quem nos quer bem e nos olha livre de qualquer pensamento pré-concebido…

…Quando me apercebi, e quase a chegar ao nosso destino, já o sol tinha nascido, já o meu pensamento e várias das respostas para os meus mais recentes desafios estavam orientados. Terminámos a caminhada com a celebração da Eucaristia, ainda que cansados depois de uma noite passada em limpo. Ao meu lado tinha também o rosto do anjo que me acompanhou sempre com um sorriso ao longo de todo o tempo, ainda que não tenha estado sempre ali mesmo ao meu lado. Era importante que fosse esvoaçando livre entre os diversos locais que passámos. Afinal, estamos sempre juntos e é soltos que poderemos melhor conhecer para amar, e amar para servir…

…Não esquecerei de tantas coisas vindas de tantos rostos. Uma delas, a mão que me deram desde o momento da paz até à comunhão; outra, o momento de testemunho de alguém que me levou a sentir-me eu mesmo a entregar-me. Obrigado. Obrigado ao Pai, obrigado a todos…